"Dessa conjunção de luxúrias vadias brotou D. Plácida. É de crer que D.Plácida não falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores dos seus dias: — Aqui estou. Para que me chamastes? E o sacristão e a sacristã naturalmente lhe responderiam: — Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os
olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado para outro, na faina, adoecendo e sarando, com o fim de tornar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, amanhã resignada, mas sempre com as mãos no tacho e os olhos na
costura, até acabar um dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chamamos, num momento de simpatia."
"Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado por um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um
navio canstruído de madeira cortada no mato por dez ou doze homens, levado por velas, que oito ou dez homens teceram, sem contar a cordoalha e outras partes do aparelho náutico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado de uma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite".
"Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor de meu rosto. Mais;não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa
imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida."
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis - 1881
E isto só tem 129 anos! È foda para uma nação com esta herança ter Ordem e Progresso, ser justa e próspera. Machado avisou que a abolição não ia resolver... a escravidão ia persistir de alguma forma. Mas é pra isso que estamos aqui ne?! sabe aquele velho sonho de querer fazer alguma coisa, de querer mudar 0,00000001% do mundo? I still imagining...
quinta-feira, 13 de maio de 2010
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